TOMA CONTA DE NÓS
Ergue-se na vertigem do outono
e voa como um pássaro furtivo
livre e feliz de nada possuir
e tudo lhe ser dado entre as asas
do tempo e do lugar.
Eis a vida com lábios de papel!
Vem dar-nos de beber alimentar-nos
silenciosamente toma conta
de tudo o que nos cega ou ilumina
ergue o grito adormece-nos a voz
desperta no crepúsculo dos dias
a solidão dos olhos
devolve ao nosso corpo as memórias
onde o vento cintila
como língua de fogo.
Vem semear oceanos e marés
enrolar-me nas ondas dos olhares
onde fui e sonhei essas loucuras
de bocas e abraços navegando
Inolvidáveis fomes.
E tudo volta a ser outrora é hoje
as imagens dão vida e cor ao sangue
assim revigorado
e as ruas preenchem de murmúrios
os meus cansados passos e afastam
todas as agonias e traições.
Vem cobrir de alegria e penumbra
do riso entre sombras e socalcos
De lágrimas e corpos
no esplendor do silêncio
no delírio inebriante da alma
em relâmpagos de amor.
Julião Bernardes – Lisboa
In:”Valsa da Vida—Louvor à vida e aos seus prazeres”,
lavra… Editorial, 2005
DO MUNDO EM MAR DE TREVAS
Desafecto de afectos por defeito
Silêncio que intrometo à confissão
Enfrento o desacerto rarefeito
Das horas a desoras do perdão
Na dança em minudências de partida
Nem li cartas-avisos que chegaram
No além das fronteiras de guarida
Lamento o desalento em que assentaram
Sorvo no fim das trevas de torpor
Gota a gota a torrente essencial
Bebedeiras de luz ardendo em flor
Ciente do percurso acidental
Cimento o sedimento redentor
Remeto-me à nascente umbilical
J. Leitão-Baptista—Lisboa
In: “azul(v)ejo—Louvor ao Planeta Terra”,
lavra...Editorial, 2004